Normatividade e dissidência
Hoje vamos pincelar superficialmente as sexualidades dissidentes contempladas pela sigla LGBTQIAP+. Para compreender o que são as sexualidades não normativas, a gente precisa conhecer quais são as tais normas e por que elas são opressoras.
Na esfera do corpo e da identidade de gênero, espera-se que os indivíduos sejam cisgêneros, binários e diádicos; que sejam alossexuais e que sua orientação sexual seja monossexual e hétero; e que sejam também românticos.
Parece muita coisa, mas podemos caminhar termo a termo.
Cisnormatividade
A cisnormatividade espera que as pessoas com pênis se identifiquem como homens, as pessoas que nascem com vulva se identifiquem como mulheres e que não haja nada além disso. Porém… não é bem assim. Existem as pessoas transgênero, que não têm conformidade com o gênero que lhes foram designados ao nascer. Existe diversidade entre as pessoas trans, e aqui se incluem as pessoas não binárias, gênero fluido, agênero, gênero queer, gênero neutro, bigênero, gênero fluido, as travestis…
A identidade de gênero vem de autodeterminação, autoidentificação e deve ser respeitada.
Ainda fora da cisnormatividade, temos as pessoas intersexo, cujo corpo apresenta simultaneamente características do sexo clássico masculino e feminino, seja a nível órgãos sexuais (genital ou gonodal), hormonal ou cromossômico. Ou seja: pode ser uma pessoa que nasce com o que chamam de genital ambíguo ou uma pessoa que apresenta cromossomos diferentes de XX e XY; uma pessoa cujo genital é considerado feminino, mas possui testículos internamente… Existem muitos corpos intersexo diferentes (estima-se que mais de 40 possibilidades!) e algumas dessas pessoas só se descobrem como intersexo quando adultas: seja por terem características menos evidentes ou por terem sofrido uma cirurgia na primeira infância.
Infelizmente é comum que bebês intersexo sejam mutilados ao nascer em uma cirurgia que torna seus genitais mais próximos do padrão de corpo masculino ou feminino, o que pode acarretar inúmeros problemas físicos e psicológicos para essa pessoa, além de impedir que haja dados precisos sobre qual é a porcentagem precisa de pessoas intersexo nascida anualmente. Apesar de nas Declarações de nascido haver um campo de “sexo não definido” ou “sexo ignorado”, ele não costuma ser utilizado por quem o preenche. O termo hermafrodita nunca deve ser usado para se referir a pessoas intersexo.
Heternormatividade
… Quando a gente fala de orientação sexual a palavra-chave é potencial.
A heteronormatividade espera que homens se atraiam exclusivamente por mulheres e que mulheres se atraiam exclusivamente por homens. É uma expectativa monossexual, porque determina que cada pessoa se atraia por apenas um gênero.
Fora da heteronormatividade temos os homossexuais, que são os gays e as lésbicas. Homens que se atraem apenas por homens e mulheres que se atraem exclusivamente por outras mulheres.
Existem também as pessoas bissexuais, que se interessam por mais de um gênero. O prefixo bi não significa apenas dois; não é uma orientação sexual necessariamente binária. Essa noção, inclusive, é rejeitada pelo Manifesto Bissexual de 1990, publicado originalmente na revista Anything That Moves.
Existe ainda o termo pansexual, que é uma identidade criada para se referir a pessoas cujo interesse sexual por outra independe de gênero. Ou seja: o gênero não precede a atração. Eu considero que a pansexualidade está dentro do guarda-chuva bi e me identifico das duas maneiras, mas não existe consenso absoluto na comunidade.
Existe o mito de que pessoas bi ou pan sejam promíscuas ou mais propensas a trair e quero que fique claro de que este é um mito preconceituoso.
Quando a gente fala de orientação sexual a palavra-chave é potencial. Não é porque uma pessoa pan tem o potencial de se interessar sexualmente por pessoas de todos os gêneros que ela vai se atrair por todos que cruzarem seu caminho. Assim como uma mulher hétero, que tem o potencial de se atrair por homens, não vai se atrair por todos os homens que vir.
Orientação afetiva
A sociedade também espera que os indivíduos sejam românticos. Numa visão normativa, espera-se que o exercício da sexualidade e o exercício da afetividade andem juntos (especialmente num relacionamento e especialmente se você for mulher).
Porém essas coisas podem andar separadas, inclusive existem pessoas que não sentem interesse romântico por outras ou que não desejam estar em um relacionamento: os arrômanticos, ou aro. É importante que tenhamos claro que existem diferentes tipos de atração ou interesse por outra pessoas, porque os arromânticos/arromântiques podem ter interesse sexual por outras ou podem ser assexuais.
Alossexualidade
Espera-se também que as pessoas sejam alossexuais. Ou seja: que sintam atração sexual por outras, como são os hétero, os homo, os bis e os pans. Mas existem também os assexuais (ou aces), que sentem pouco ou nenhum interesse sexual.
E essas pessoas estão dentro de um espectro gradativo de interesse, que vai de pessoas que sentem alguma atração, as que sentem atração com condicionais e pessoas que jamais a sentem. Os assexuais podem reivindicar para si identidades específicas, como: demissexual, graysexual, freysexual…
Vale avisar que assexuado não é um termo válido para falar dessas pessoas. Os assexuais podem ter libido e seus componentes fisiológicos, como uma ereção, e explorá-la através da masturbação. E podem participar consensualmente de práticas sexuais por afeto ou por reprodução.
Monogamia
Também é esperado que as pessoas se interessem e se relacionem com apenas uma pessoa por vez, de preferência em relacionamentos longos; isso é a monogamia. Ela gera vários acordos tácitos, acordos que ninguém verbaliza no início de um relacionamento romântico-sexual: espera-se que você não beije nem transe com outras pessoas, que foque sua energia afetiva apenas naquele par. Porém, existem maneiras não monogâmicas de se relacionar e de vivenciar a afetividade e sexualidade. Alguns exemplos são o relacionamento aberto, o poliamor, a poligamia religiosa… Mesmo a traição dentro de um relacionamento “tradicional”, apesar de não ser ética, é uma prática não monogâmica muito comum (e muito aceita se vier de um homem cis e hétero).
Conclusão
Ao falar das normas e suas margens, é possível pincelar um pouco da diversidade da sexualidade humana. É legal reconhecermos que a sexualidade não é um fenômeno engessado e que se mantém igual ao longo de uma vida. Ela pode ser fluida: existem, por exemplo, pessoas que se entendem como heterossexuais e em algum ponto ou elas mudam essa percepção sobre si ou essa identidade se transforma com conhecimentos e vivências.
É importante conhecer esses termos fora da norma porque a descoberta pode começar no discurso. Às vezes as pessoas se compreendem melhor ou se reconhecem escutando outras falarem sobre suas identidades e vivências. Por isso a representatividade bem-feita em obras de ficção e a construção de uma comunidade de pessoas LGBTQIAP+ são tão essenciais.
O termo comunidade não é acaso. Não é fácil se identificar fora da norma, ainda mais publicamente. Algumas dessas identidade são tão desconhecidas que são invisibilizadas, como bis e aces. Outras são marginalizadas de outras maneiras, tendo suas identidades usadas como ofensa; quem nunca escutou “viadinho” como xingamento?
Pessoas LGBTQIAP+ são alvo de diversas violências; desde bullying que pode levar a evasão escolar, passando por expulsão de casa, até o assassinato motivado por preconceitos. Essa comunidade tem sua saúde física e mental constantemente fragilizada na tela, sendo as mulheres trans negras as mais vulneráveis. É importante reconhecer que existem esses recortes e diferenças dentro da comunidade LGBTQIA+, por isso as pautas de militância também podem variar.
É essencial abrirmos o diálogo. De repente alguém, que se identificava com parte da norma, de repente descobriu um aspecto novo da sua sexualidade ao entrar em contato com esse assunto. Você que se identifica com alguma das coisas que eu mencionei hoje: saiba que está tudo bem. Sinta-se normal e completo. O importante é que estejamos seguros e praticando aquilo que nos interessa. Se a norma, essa vizinha enxerida, vier nos contestar, a gente ignora. Se a gente sentir vontade de comunicar a norma pra alguém, se segura.
Por hoje é só. Se cuidem e cuidem dos seus parceires. E, se quiser se aprofundar mais no tema, temos algumas indicações no final (:
Bibliografias
Materiais do curso Tudo que você precisa saber sibre LGBTQIAP+ da [DiversityBBox]